26 junho 2005

Tânia Araújo, Paisagens do corpo

A imagem, na qual a emoção do artista se afirma no acto de fotografar é, pela sua força expressiva imediata.
A exploração do próprio corpo, a comunicação do corpo consigo próprio e com o exterior é o tema dominante do meu trabalho. O próprio corpo aparece como uma performance. A performance assume a forma de espectáculo único concebido especificamente para cada lugar escolhido consoante o corpo vestido com a sua personagem.
Com este trabalho pretendo mostrar o corpo feminino nas suas várias personagens que ao longo do tempo ficaram e que continuam a perdurar.Cada performance tem uma rua própria de acordo com a figura feminina em torno da qual gira toda a acção, que resulta em séries de imagens para cada personagem.
A escolha da cidade de Lisboa resulta pelo facto de remeter a personagens do passado, que existem no presente, com história, tal como esta cidade, onde posso encontrar ruas que não marcam o tempo.
A noite de Lisboa o suporte a preto e branco, o corpo feminino e a performance é o fio condutor em todas as séries o meu trabalho.
A procura da noite está presente pelo facto de existirem personagens que saem da sua vida real para vaguearem por ruas soturnas, vazias onde têm a liberdade de se mostrarem, de fazer as suas performances sem serem vistas, onde apenas são iluminadas por luzes de candeeiros que vagueiam na penumbra da rua.
O preto e branco não é por acaso…Este suporte não marca um tempo. As performances podem acontecer em qualquer altura, podem ter existido, existem ou até podem vir a existir…Não está presente a cor que identifica algo, aqui nada é identificado a não ser um corpo num certo lugar. Pretendo um trabalho neutro e objectivo, não quero que as personagens criem qualquer intimidade com quem as veja apenas quero que elas sejam vistas, como uma paisagem, como que um espectáculo de rua que passa para ser visto em silêncio, mas um silêncio como acto vivo de comunicação, de gestualidade, de interpretação, de expressão corporal, de imagem.
O corpo feminino surge neste contexto com uma carga social significativa, uma vez que nas suas diferentes personagens, exprime condutas sociais e culturais de acordo com o tempo.
Os papéis socialmente desempenhados pela mulher existem desde a Antiguidade. A ideia de que a mulher carece de personalidade jurídica, adoptada pela civilização grega e transmitida ao longo dos séculos, afasta da mulher a possibilidade de expressar livremente o seu pensamento, sendo sujeita a estruturar o seu mundo a partir do universo masculino.
A cultura foi vendo a mulher como elemento de um grupo mudo, associado à beleza, ao prazer e ao trabalho, um grupo submisso. Nem a Modernidade, conseguiu impedir que só no século XX esta situação de subalternidade começasse de facto a mudar.
Assim as personagens mantêm-se vivas ao longo dos anos, com uma liberdade escondida, é isso que pretendo mostrar neste trabalho, liberdade esta que fez parte do nosso passado, é o nosso presente e será no futuro.
Mostro personagens femininas mudas, associadas à beleza, ao prazer e ao trabalho.
Apresento este trabalho em séries de seis imagens para cada performance, constituído pelas personagens da burguesa, da cortesã, da lavadeira, da bêbeda, da severa, da varina e da dona de casa.
Trabalho que mostra realidade e imaginação, o ser e o parecer de um corpo em movimento.
É desta relação íntima com o corpo que deriva o título do meu trabalho: Paisagens do Corpo.

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